Alguns descompassos entre discursos do
amor romântico e as relações na vida como ela é
Parte I
Patrícia Abel Balestrin
Seguem algumas reflexões a partir de leituras
sobre o amor romântico...
Parece que só é possível pensarmos o que, de fato,
é considerado romântico, à medida que pensamos o que não o é. O romantismo se
constrói a partir da sua diferença, assim como o processo de construção de
identidades. Pensemos como os discursos sobre o amor romântico podem ter se
tornado tão poderosos a ponto de atravessar gerações e seguir marcando presença
mesmo naquelas relações em que as pessoas se dizem estarem livres desta
representação!
Foucault talvez pudesse nos inspirar a pensar:
Como o amor romântico veio a ser historicamente concebido dessa forma e não de
outra? Que significados vêm sendo construídos em torno da idéia de amor
romântico ao longo da história? Quem tem se apropriado deste saber e tem tido o
poder de dizer o que é e o que não é o amor romântico? Que efeitos este projeto
do amor romântico tem no modo de viver as relações e na vida das pessoas que se
engajam, de certa forma, nele? (ou são empurradas, compelidas e praticamente
forçadas a fazê-lo?) Basta que olhemos um pouco para as nossas relações para
percebermos traços, marcas desta representação que teve e ainda tem grandes
efeitos de poder em nossas vidas.
Tenho percebido nas vivências pessoais e nas que
escuto, tanto no consultório como fora dele, que há um forte discurso de uma
masculinidade que afirma algo do tipo “gostamos de mulheres inteligentes,
independentes, ousadas, fortes”. Porém, talvez seja muito desestabilizador
ainda para as masculinidades hegemônicas (e, quem sabe, também para algumas
feminilidades lésbicas?) quando a mulher, de fato, mostra-se com estes “novos”
atributos. Parece-me que não são atributos muito românticos... e acabam sendo,
na prática, rejeitados pela maioria dos homens. Vejo que estas mesmas
qualidades de independência, inteligência, ousadia que foram admiradas e
desejadas no momento do apaixonamento acabam por constituir, muitas vezes, os
verdadeiros empecilhos para que a relação perdure.
Parece haver um descompasso entre as feminilidades
que estão se constituindo a partir de um discurso feminista e as masculinidades
que tentam acompanhar este movimento, mas esbarram nas “velhas” representações
de amor romântico onde o feminismo não tem vez, nem voz!
Encerro, por hoje, com uma citação de Jurandir
Freire da Costa que nos impulsiona a questionar algumas representações de amor
romântico que podem estar presentes em nossas vidas, em nossas práticas
profissionais e afetivas:
“Aprendemos a crer que amar
romanticamente é uma tarefa simples e ao alcance de qualquer pessoa
razoavelmente adulta, madura, sem inibições afetivas ou impedimentos culturais.
O sentimento do insucesso amoroso é, por isso mesmo, acompanhado de culpa,
baixa auto-estima e não de revolta contra o valor imposto, como na situação de
preconceito. Poucos são capazes de duvidar da “universalidade” e da “bondade”
deste amor culturalmente oferecido como algo sem o que nos sentiremos
profundamente infelizes. Acredito que, sem uma crítica à idealização do
amor-paixão-romântico, temos poucas chances de propor uma vida sexual,
sentimental ou amorosa mais livre. Para que a ética da amizade foucaultiana se
torne um experimento moral viável, será necessário antes “problematizar” a
antinomia do amor romântico de nossos dias.” (Costa,
1999, p. 35)
COSTA, Jurandir Freire. Sem fraude nem favor:
estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. 5ª edição.
(Porto Alegre, 23 de dezembro de 2005)
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