sexta-feira, 6 de abril de 2012


Sexismo, homofobia e misoginia na produção de identidades de gênero e sexuais
Patrícia Abel Balestrin

Não se pode pensar na construção das identidades de gênero sem aprofundar um debate emergente sobre alguns fenômenos que a mim chamam muita atenção: o sexismo e a homofobia a que Cecchetto e Kimmel se referem como “dois elementos constitutivos na construção social de masculinidades”, onde eu incluiria um terceiro elemento, a misoginia, além de acrescentar que estes elementos constituem também as feminilidades, já que as identidades se constituem em relação à diferença e não isoladamente. Haveria um fenômeno que fosse constitutivo da masculinidade que não fosse, em alguma medida, também constitutivo da feminilidade em questão?
“Sexismo se define como um conjunto de todos e cada um dos métodos empregados no seio do patriarcado para poder manter em situação de inferioridade, subordinação e exploração o sexo dominado: o feminino.” (Núbia Varela, 2005) Misoginia é a manifestação de ódio dos homens em relação às mulheres, assim como a homofobia é a manifestação contra os homossexuais (grosso modo!). Penso que esses fenômenos não acontecem de forma isolada e estão contribuindo para que determinadas masculinidades e feminilidades sejam construídas a partir de relações agressivas. As identidades de gênero são também efeitos dessas estratégias que se dão em meio a relações de poder que pretendem definir a diferença e marcar os sujeitos.
Talvez pudéssemos problematizar um pouco esses conceitos que acredito terem sido formulados em meio à teoria do patriarcado, que vem sendo “superada” por outras formas de entender e significar tais discursos, desconstruindo essencialismos e fundacionalismos.Será que não poderíamos pensar nestes conceitos como sendo uma via de mão dupla e não uma via de mão única? Ou até mesmo uma via de múltiplas mãos??? Ou seja, pensar o sexismo como uma manifestação que pode ser tanto de homens em relação às mulheres, como de mulheres em relação aos homens? E pensar a homofobia como sendo manifestações discriminatórias que podem ocorrer até mesmo dentro dos movimentos gays e lésbicos, ou seja, podendo ocorrer entre os/as próprios/as homossexuais e até mesmo numa possível “heterofobia” (discriminação de homossexuais em relação aos/às heterossexuais)??? Além de ampliar o conceito de misoginia como uma prática que também pode se dar entre as mulheres, como algumas feministas do movimento lésbico têm se referido a uma possível misoginia lésbica?
Pensar nessas possíveis inversões de conceitos e/ou ampliações dos mesmos não significa negar que, o tempo todo, esses fenômenos estão se constituindo em meio a relações de poder, onde hierarquias e assimetrias estão inevitavelmente presentes; por isso tais fenômenos podem existir nestas outras vias que estou sugerindo, porém com menos força, talvez, do que aqueles inicialmente formulados. Por exemplo, a homofobia tem se constituído numa prática que se instala a partir de uma norma muito poderosa, capaz até mesmo de passar despercebida e tornar-se inquestionável: trata-se da heteronormatividade que, através de mecanismos diversos, se encarrega de fazer com que a heterossexualidade seja compulsória, desejada e mais valorada do que qualquer outra identidade sexual. Portanto, ainda que possa existir uma espécie de “heterofobia”, o que percebemos em nossa cultura é que o fenômeno da homofobia tem tido mais força para se instalar e se manter do que a “heterofobia” que estaria na contramão daquela norma!
A cada vez que nos referimos ao patriarcado ou à posição de subordinação de mulheres em relação aos homens e dos/as homossexuais em relação aos/às heterossexuais em nossa sociedade, não estaríamos privilegiando determinadas práticas e até mesmo reforçando discursos que em nada ou pouco contribuem para transformar tais relações?
Tenho pensado muito nos efeitos que nossas pesquisas podem ter. A escolha de determinados conceitos em detrimento de outros e o uso que fazemos deles podem estar suscitando outras formas de se relacionar com tais temáticas, como também podem reafirmar justamente aquilo que, de alguma forma, desejávamos combater.
(Porto Alegre, 26 de dezembro de 2005)

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