Sexismo,
homofobia e misoginia na produção de identidades de gênero e sexuais
Patrícia Abel Balestrin
Não se pode pensar na construção das identidades
de gênero sem aprofundar um debate emergente sobre alguns fenômenos que a mim
chamam muita atenção: o sexismo e a homofobia a que Cecchetto e Kimmel se
referem como “dois elementos constitutivos na construção social de
masculinidades”, onde eu incluiria um terceiro elemento, a misoginia, além de
acrescentar que estes elementos constituem também as feminilidades, já que as
identidades se constituem em relação à diferença e não isoladamente. Haveria um
fenômeno que fosse constitutivo da masculinidade que não fosse, em alguma
medida, também constitutivo da feminilidade em questão?
“Sexismo se define como um conjunto de todos e
cada um dos métodos empregados no seio do patriarcado para poder manter em
situação de inferioridade, subordinação e exploração o sexo dominado: o
feminino.” (Núbia Varela, 2005) Misoginia é a manifestação de ódio dos homens
em relação às mulheres, assim como a homofobia é a manifestação contra os
homossexuais (grosso modo!). Penso que esses fenômenos não acontecem de forma
isolada e estão contribuindo para que determinadas masculinidades e
feminilidades sejam construídas a partir de relações agressivas. As identidades
de gênero são também efeitos dessas estratégias que se dão em meio a relações
de poder que pretendem definir a diferença e marcar os sujeitos.
Talvez pudéssemos problematizar um pouco esses
conceitos que acredito terem sido formulados em meio à teoria do patriarcado,
que vem sendo “superada” por outras formas de entender e significar tais
discursos, desconstruindo essencialismos e fundacionalismos.Será que não
poderíamos pensar nestes conceitos como sendo uma via de mão dupla e não uma
via de mão única? Ou até mesmo uma via de múltiplas mãos??? Ou seja, pensar o
sexismo como uma manifestação que pode ser tanto de homens em relação às
mulheres, como de mulheres em relação aos homens? E pensar a homofobia como
sendo manifestações discriminatórias que podem ocorrer até mesmo dentro dos
movimentos gays e lésbicos, ou seja, podendo ocorrer entre os/as próprios/as
homossexuais e até mesmo numa possível “heterofobia” (discriminação de
homossexuais em relação aos/às heterossexuais)??? Além de ampliar o conceito de
misoginia como uma prática que também pode se dar entre as mulheres, como algumas
feministas do movimento lésbico têm se referido a uma possível misoginia
lésbica?
Pensar nessas possíveis inversões de conceitos
e/ou ampliações dos mesmos não significa negar que, o tempo todo, esses
fenômenos estão se constituindo em meio a relações de poder, onde hierarquias e
assimetrias estão inevitavelmente presentes; por isso tais fenômenos podem
existir nestas outras vias que estou sugerindo, porém com menos força, talvez,
do que aqueles inicialmente formulados. Por exemplo, a homofobia tem se constituído
numa prática que se instala a partir de uma norma muito poderosa, capaz até
mesmo de passar despercebida e tornar-se inquestionável: trata-se da
heteronormatividade que, através de mecanismos diversos, se encarrega de fazer
com que a heterossexualidade seja compulsória, desejada e mais valorada do que
qualquer outra identidade sexual. Portanto, ainda que possa existir uma espécie
de “heterofobia”, o que percebemos em nossa cultura é que o fenômeno da
homofobia tem tido mais força para se instalar e se manter do que a
“heterofobia” que estaria na contramão daquela norma!
A cada vez que nos referimos ao patriarcado ou à
posição de subordinação de mulheres em relação aos homens e dos/as homossexuais
em relação aos/às heterossexuais em nossa sociedade, não estaríamos
privilegiando determinadas práticas e até mesmo reforçando discursos que em
nada ou pouco contribuem para transformar tais relações?
Tenho pensado muito nos efeitos que nossas
pesquisas podem ter. A escolha de determinados conceitos em detrimento de
outros e o uso que fazemos deles podem estar suscitando outras formas de se
relacionar com tais temáticas, como também podem reafirmar justamente aquilo
que, de alguma forma, desejávamos combater.
(Porto Alegre, 26 de dezembro de 2005)
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